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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Boogu a união dos espalhados


Com o tempo a sensibilidade as coisas simples da vida se vão no campo missionário, é necessário humildade e simplicidade para reiniciar a admiração de uma cultura tão rica, vivida por pessoas tão pobres.

Com esse pensamento foi que resolvi ir ao boogu de meu amigo Kunjam, que tem uma plantação de gawri(milho típico semelhante ao alpiste) a 10km de minha casa em Burow. Enchi o cantil com água do chafaris, peguei meu mbasu (sacola de couro de cabra), que foi pleno de carvão, açúcar, chá chinês, e o kurkew (instrumento de cortar o gawri). Mesmo com o sol de uns 40ºC eu estava convicto que ali seria uma ótima oportunidade de fazer amigos e compartilhar a Mensagem a qual fui enviado.

Fullaade é o verbo para a palavra dispersar, espalhar-se. E um Pullo, no sentido etimológico da palavra é um espalhado ou em termos técnicos um nômade.

Com uma vida independente, sem respeitar fronteiras e orgulhosos de serem sustentados pela ladde (matos, interior, deserto), eles se tornaram inimigos dos demais povos e distantes da civilização, apesar deste singular aspecto do povo fulani, devido as necessidades, muitos deixaram a vida nômade e vivem como semi-nomades, plantando e colhendo assim como os demais povos do Sahel.

Quando realizam o evento chamado boogu a coisa muda de direção, entram na esfera da mutualidade, boogu em português é traduzido como mutirão, empregamos o termo da mesma forma que o brasileiro usa, seja para construir uma casa, cortar um campo, etc. Segundo Idrissa, um fulani jeegolji, os antigos faziam boogu com danças, tocadores de tambor e bastante comida. Escutando-o pensei o quanto seria agradável trabalhar cantando, dançando e festejando a boa colheita.

Uma semana atrás fui por curiosidade a um boogu da etnia moussi (predominante no país), ao chegar no local fiquei admirado de como eles cortavam o gawri, divididos em duas equipes o trabalho foi feito rapidinho, a primeira derrubava o pé do milho, e a segunda ia atrás cortando. Josefo, o dono do ultirao havia convidado vários amigos de povos diferentes: Bellas, Shonghais, Fulanis, Moussis, Cearense. Consegui aprender uma nova maneira de cortar o gawri e fiz varias amizades, na hora do almoço as pagaba (mulheres) trouxeram uma bacia de baião-de-dois com bastante óleo de panela. Sentir-me em casa e fortalecido.

Já no boogu do Kunjam o qual descrevi no inicio do artigo, a forma foi engraçada e familiar, penso que por causa da língua que foi uma do inicio ao fim. Junto com Idrissa, ex-aluno do Proj. Verão Sem Medo (ver artigo Verão-sem-Medo), fomos recepcionados na sala de star, uma simples arvore espinhosa que nos dava uma consoladora sombra. De inicio Kunjam nos ofereceu água e comida mostrando tudo que havia a nos oferecer: baião-de-dois, chá, café, remédio para dores, cigarros, fumo, etc. aceitamos o baião-de-dois e o chá, pensei que tudo aquilo era apenas para animar os trabalhadores que deixaram seus campos para ajudar um amigo, Kunjam pediu desculpa e explicou que se não tivesse remédio para dores, cigarro, fumo, café, comida, o povo não iria estar satisfeito com o mutirão.

Depois de quatro mãos de Baião-de-dois e um copo de chá caímos no campo com sede de cortar o máximo de gawri e juntos com os demais terminarmos todo o campo. Mesmo não tendo as danças, musicas e a festa que os antigos faziam nos mutirões, alegrei-me em me unir aquelas pessoas que assim como uma corda estavam entrelaçadas pela língua local (fulfude).

Enquanto cortávamos, conversávamos sobre vários assuntos como: programação da radio FM local; o futuro do dono do boogu. De forma irônica eles diziam que esse ano o Kunjam morreia pois o campo dele produziu pouco gawri; sobre as minas de ouro; curiosidades do Brasil; os animais que entram a noite no campo; etc. mais uma vez vi como vários povos se uniram pelo bem de um individuo, o mutirão é uma Babel para os fulanis sendo que o topo da torre é os feixes de gawri colhidos que alimentam a família durante os longos nove meses que virão ate as próximas chuvas.

Existem outros eventos que aglomeram vários fulanis, tais como o batismo infantil, casamento, a morte. Mas o mutirão mostrou-me que ainda há esperança para vencermos as inimizades tribais.

Todos terminaram a colheita e entregaram os feixes bem amarrados com o caule do gawri, Kunjam agradeceu dando-nos o famoso cobbal (mingal de leite qualhado com gawri), com o sorriso no rosto nos disse tyiabu modon! Obrigado a vocês. Num flash pensei que um dia haverá uma colheita de vidas, desejo que muitos fulanis estejam na Seara do Senhor e possam entrar no feixe que levará a vida eterna.

Burow 09/11/10

Cristiano Carneiro

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